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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Cinema São Luiz traz de volta obra-prima de Truffaut



O Cinema São Luiz exibe nesta sexta-feira (18), às 20h, e no sábado (19), às 10h, o filme que foi considerado pelo próprio François Truffaut a sua melhor obra, “Os Incompreendidos” é talvez um dos mais bonitos filmes vindos lá dos primórdios do que viria a ser a Nouvelle Vague francesa. Esse, que foi o primeiro filme do diretor, mostra que a sensibilidade e a sutileza no cinema não é coisa simples de se fazer, mas talvez seja o que o cinema pode trazer de melhor – fugindo, claro, do sentimentalismo e extrema apelação emocional.

“Os Incompreendidos” é um filme triste. Um filme sobre o próprio Truffaut e já não há mais dúvidas sobre isso. Hoje já é fato notório que o diretor francês não teve uma infância muito contente e que esse tema se tornou recorrente em alguns de seus filmes, especialmente no “ciclo Antoine Doinel”, composto de cinco filmes que contam a trajetória de um mesmo personagem – uma espécie de alter ego seu. Não foi toda uma vida triste, mas que surgiu de uma história triste que sempre inquietou Truffaut: a solidão na infância.

E exatamente sobre isso fala “Os Incompreendidos”, o primeiro filme do ciclo mencionado. Conta a história do pequeno Antoine Doinel, filho de pais relapsos e ausentes e que odeia ir à escola ter com o professor autoritário. Junto com um coleguinha, mata aula para ir ao parque de diversões e é com ele que conta quando decide fugir de casa depois te ter mentido sobre o motivo de suas faltas no colégio. É um retrato linear da infância do garoto que, ainda tão pequeno, entende que não pode viver com os seus pais, enxerga que não é aceito e que não tem dos pais o que uma criança deveria ter.

Segundo o próprio Truffaut, muitas coisas no filme aconteceram de verdade. Ele de fato fugiu de casa, roubou uma máquina de escrever para poder juntar algum dinheiro, foi colocado num reformatório e renegado pelos pais. Mesmo que tenha sido difícil de admitir tudo isso, Truffaut acabou por conseguir expor no filme todos os fatos exatamente como queria. O filme é cheio de referências da própria vida do diretor, do seu amor pelo cinema, na sua descoberta pela literatura, de tudo o que o levaria a ser e a fazer tudo o que fez até a sua morte. “Os Incompreendidos” foi dedicado a André Bazin, o crítico de cinema que tirou Truffaut do reformatório e que lhe deu a oportunidade de escrever na Cahier du Cinéma – revista de crítica de cinema que foi o principal instrumento de divulgação das idéias da Nouvelle Vague.

Segundo Truffaut, era possível, sim, fazer cinema fora dos grandes estúdios e com um orçamento razoável, sem que isso prejudicasse a qualidade do filme. E foi dessa forma que “Os Incompreendidos” construiu uma narrativa com muitos planos-seqüência longos e primeiros planos que eram fundamentais no tratamento do personagem Antoine – a demonstração de suas emoções, seu sentimento de solidão, tudo isso expresso dramaticamente em closes excepcionalmente bem pensados e filmados. As inúmeras seqüências externas também comprovam a liberdade em relação aos estúdios e garantem algumas cenas belíssimas, aliadas a fotografias bem cuidadas.

Nesse contexto, é importante ressaltar, “Os Incompreendidos” reforça (ou até mesmo inaugura, ainda que não seja o primeiro filme da Nouvelle Vague) a idéia do cinema de autor, que inova no sentido de que o diretor está presente em todos os momentos de criação do filme, desde a concepção do roteiro até o processo de montagem. É claro que a idéia de “cinema de autor”, com o passar do tempo, torna-se muito mais complexa, mas a contribuição não só desse filme como do próprio François Truffaut para que esse conceito se estabelecesse foi essencial.

Existe, na tristeza de “Os Incompreendidos”, a beleza e pureza da dor que se descobre na infância, o sentimento às vezes até de identificação ou de simples compreensão. Nesse filme de Truffaut está impressa a vontade que permeou quase toda a sua filmografia, a vontade de falar sobre si mesmo, de suas angústias, suas histórias, seus sentimentos, sua imaginação. O diretor francês parece nunca ter deixado de lado essas vontades. Por muitos, hoje, considerado o cineasta que melhor falou sobre o amor em todas as suas facetas, Truffaut foi autor de filmes extraordinários, difíceis de se pensar hoje em dia. É emocionante a delicadeza dada no tratamento do personagem e de todo o roteiro que não diz quem é bom e quem é mau, não se posiciona, é apenas honesto. E bonito. Muito bonito.

Serviço
Os incompreendidos Direção: François Truffaut (1959) Sexta (18/6) às 20h Sábado (19/6) às 10h

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